22 de agosto de 2006

Suicidas estivais


Rompendo glorioso o plúmbeo matiz que acometeu, nos últimos dias, os céus de Portugal – vertendo nos contribuintes mais cinza do que os incêndios que alimentam a sessão pornográfica sazonal, televisionada sem bolinha vermelha, onde evoluem bombeiros no limiar da resistência, saturados de manobrar mangueiras inúteis como falos exangues –, o Sol regressou. E, com ele, a multidão suburbana ao comboio amarelo. Comprime-se a massa "heliocrática" de veraneantes, ecléctica de bronzeados tardios, relapsos e debutantes, nas carruagens saturadas de gente. Equipadíssima para o tardo culto do estio nos areais do Grande Porto – guarda-sóis, pára-ventos, bóias, braçadeiras, revistas de supermercado e os êxitos literários das gasolineiras, mais a inefável lancheira, mais o creme hidratante de eficácia duvidosa, mais o bronzeador que só um decapante sulfúrico poderá remover, mais o protector solar que jura filtrar tudo menos o cancro da pele, mais o leitor de mp3 oferecido com a barra de sabão rosa, mais a consola portátil comprada na loja do contrabando chinês, mais… Vão como as tropas de elite quando partem para destroçar países demasiado ricos para serem economicamente viáveis. Uns e outros, seguem para a guerra. Quando regressarem, uns e outros terão sobrevivido ao horror. Mas só os primeiros se lançarão, com a felicidade plena da indigência, para o arsenal bioquímico que os aguarda. Disfarçado de areia e mar.

1 comentário:

Leonor Paiva Watson disse...

Assim que o gato Acácio sair do seu estado depressivo, tentarei saber o contacto do "dealer" do panão. Por ora terás que viajar sozinho, sem "birlights" nesse teu comboio amarelo.

A aguardar as melhoras de Acácio,

Sophia