A primeira paragem do último comboio amarelo para Guimarães, seis minutos depois de partir da estação de S. Bento, no Porto, ocorre em Campanhã, esse vasto não-lugar saturado por gente de ansiedade cronometrada que as linhas distribuem para todo o lado, na urgência de arrumá-la. Na maior parte das vezes, trata-se de um processo ecológico, que descongestiona a paisagem de elementos perturbadores, vagamente antropomórficos, mas definitivamente horrendos (se bem que, embora muito raramente, também ouse furtar, à diletância cansada da vista poluída, produtos de formulação genética que seria útil clonar, em vez de ovelhas, ratos, e demais fauna sem préstimo…).
Naquela hora já algo tardia (21:51) para o funcionalismo suburbano, os passageiros que entram não compensam aqueles que saem, deixando ainda mais vazio o comboio amarelo. O que é óptimo para uma primeira abordagem ao sono – restaurando energias para suportar a maratona de novelas que sucede ao jantar, os lamentos das digníssimas esposas em pantufas surradas, as birras dos filhos tão caprichosos como as mães e as facturas do monopólio da electricidade –, ou para fruir de leituras mais densas. Sucede, porém, que nem todos se entregam a exercícios tão recomendáveis. Há aqueles que, desconfiados da própria Humanidade que partilham, persistem na sua vigília. Colam os olhos a terceiros e vigiam os outros. Dissecam-nos, analisam-nos e classificam-nos. Como objectos. São utentes solitários, geralmente invejosos, amargos e coleccionadores de inferências e conjecturas.
Aquela atitude analítica insistente torna-se razoável quando o comboio segue cheio. Com o espaço vital circunscrito à largura dos ombros – ou ao volume dos glúteos e à grossura das coxas -, os membros tolhidos pela compressão da massa embarcada, sem possibilidade de mexer outra coisa que não o nervo ocular, é quase natural forçar o movimento. Para afirmar a vida (parar é morrer). Ou por mera atitude lúdica. Como distracção neuronal. Olhar sem ver, apenas. Fora isso, é sintoma de uma qualquer descompensação patológica.
Sucede que, por vezes, o fluxo de olhares em trânsito inunda o comboio amarelo, ocupa todos os espaços vazios numa cacofonia de pupilas irrequietas, ansiosas, violadoras. No comboio amarelo, por demasiadas vezes, só viajam doentes que concorrem no trauma da exposição intrusiva.
Naquela hora já algo tardia (21:51) para o funcionalismo suburbano, os passageiros que entram não compensam aqueles que saem, deixando ainda mais vazio o comboio amarelo. O que é óptimo para uma primeira abordagem ao sono – restaurando energias para suportar a maratona de novelas que sucede ao jantar, os lamentos das digníssimas esposas em pantufas surradas, as birras dos filhos tão caprichosos como as mães e as facturas do monopólio da electricidade –, ou para fruir de leituras mais densas. Sucede, porém, que nem todos se entregam a exercícios tão recomendáveis. Há aqueles que, desconfiados da própria Humanidade que partilham, persistem na sua vigília. Colam os olhos a terceiros e vigiam os outros. Dissecam-nos, analisam-nos e classificam-nos. Como objectos. São utentes solitários, geralmente invejosos, amargos e coleccionadores de inferências e conjecturas.
Aquela atitude analítica insistente torna-se razoável quando o comboio segue cheio. Com o espaço vital circunscrito à largura dos ombros – ou ao volume dos glúteos e à grossura das coxas -, os membros tolhidos pela compressão da massa embarcada, sem possibilidade de mexer outra coisa que não o nervo ocular, é quase natural forçar o movimento. Para afirmar a vida (parar é morrer). Ou por mera atitude lúdica. Como distracção neuronal. Olhar sem ver, apenas. Fora isso, é sintoma de uma qualquer descompensação patológica.
Sucede que, por vezes, o fluxo de olhares em trânsito inunda o comboio amarelo, ocupa todos os espaços vazios numa cacofonia de pupilas irrequietas, ansiosas, violadoras. No comboio amarelo, por demasiadas vezes, só viajam doentes que concorrem no trauma da exposição intrusiva.
1 comentário:
"No comboio amarelo, por demasiadas vezes, só viajam doentes que concorrem no trauma da exposição intrusiva."
Muito bom, muito bom mesmo.
Sophia
P.S. Desculpa a classificação. LOL
Enviar um comentário